"Você vai estar sempre cheia de lágrimas e migalhas?" Ele é um velho sábio, penso, me lembrando da sua pergunta enquanto o observo dormir. Sim, migalhas são o símbolo eterno da minha mania incontrolável de beliscar comida, e meus seios formam uma boa prateleira para recolhê-las. E também há uma certa constância com relação às lágrimas. Eu tenho o choro tão fácil quanto o sorriso, e quem poderia me dizer por quê? Existe algo muito antigo que ainda me arranha por dentro. Alguma coisa bem lá no fundo de mim. Essas não são as lágrimas ardentes, copiosas e noturnas que ainda choro por minhas antigas feridas. "Quem não tiver nenhuma sobra de antigas feridas levante a mão", disse meu amigo Misha certa noite, após tomar uma dose dupla de vodca. Depois de um dos seus pacientes se suicidar com uma pistola com cabo de madrepérola.
Grande parte do meu choro é de alegria e assombro, não de dor. O lamanto de um trompete, o hálito morno do vento, o som da sineta de uma ovelha errante, a fumaça de uma vela que acabou de se extinguir, a primeira luz da manhã, o crepúsculo, a claridade da lareira. Belezas cotidianas. Eu choro pela embriaguez da vida. E talvez, só um pouquinho, pela rapidez com que ela passa.
(Marlena de Blasi, Mil dias em Veneza)
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